O senador Plínio Valério (PSD-AM), que foi presidente da CPI das ongs, em 2023, voltou a criticar a interferência das organizações não governamentais no estado brasileiro. Segundo ele, as ongs mandam no país e na Amazônia.
“Enquanto houver essa combinação, esse aparelhamento de parte do Judiciário, principalmente do Ministério Público Federal, procurador federal, com as ong, nós vamos continuar sofrendo. Não precisa de nenhum estudo ou laudo antropológico sério, basta uma ong dizer que encontrou isso ou aquilo para o Ministério Público Federal, o procurador-geral da República avalizar. É aquela história: plante, que o João garante. É essa a situação que nós vivemos na Amazônia”, disse Valério.
A manifestação do parlamentar amazonense ocorreu após reportagem do BNC divulgar as articulações internas e sigilosas entre o Ministério Público Federal (MPF-AM), a Funai com apoio de organizações não governamentais.
Contrários à exploração de gás, em Silves e Itapiranga, no Amazonas, essas entidades buscam argumentos, fatos e imagens para barrar os empreendimentos da Eneva e da Mil Madeiras Preciosas.
A mais recente revelação é uma fotografia, feita por um integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que seria de um indígena isolado na região de Silves em 2023. Além disso, a expedição de localização da Funai diz ter encontrado um artefato indígena no local. No entanto, o órgão afirma que não foram encontrados indígenas isolados.
Ao comentar sobre o artefato atribuído a indígenas isolados em Silves-AM, encontrado pela expedição da Funai, o senador lembrou que na CPI das ongs encontraram um casco de jabuti e disseram que os indígenas tinham passado no local uns três meses antes.
Transparência
Por conta disso, Plínio Valério está cobrando do Senado a votação do projeto de lei 6047/2023, originado pela CPI das ONGs. A proposta estabelece regras rígidas de transparência nos recursos de organizações não governamentais que atuam no Brasil.
“Precisamos limitar a atuação de ONGs ambientalistas na Amazônia e reforçar que o Brasil é um país de leis. Por isso, estou cobrando a votação do PL 6047/2023, proposto pela CPI das ONGs, que estabelece regras rígidas de transparência para os recursos que essas organizações recebem”, declarou o parlamentar.
Ainda segundo Valério, se somar as seis ONGs que ele levou à CPI para depor, vai-se encontrar R$ 3 bilhões de recursos que elas receberam.
“Portanto, o projeto de lei exige a discriminação detalhada das despesas, da remuneração de agentes e da aplicação desses recursos no benefício das comunidades indígenas, ribeirinhas e da conservação da floresta. Com essas regras claras, vamos poder identificar inclusive as ongs que atuam no Brasil, atentando contra os interesses nacionais”, afirmou o senador.
Peças-chaves
Uma fotografia, um artefato atribuído a indígenas isolados e relatos de integrantes de uma organização não governamental.
São essas são as peças-chaves que a Funai e Ministério Público (MPF) têm para tentar barrar um investimento de mais de R$ 6 bilhões na exploração de petróleo e gás nos municípios de Silves e Itapiranga, no estado do Amazonas.
Desse modo, esses instrumentos deverão compor uma ação civil pública, por meio do MPF-AM, e a publicação de portaria de restrição de uso, pela Funai, na área de exploração de gás nos dois municípios.
Caso isso ocorra, os empreendimentos da Eneva, Mil Madeiras Preciosas serão encerrados, causando impactos incalculáveis na economia das duas cidades amazonenses.
De acordo com a Eneva, o projeto do gás prevê investimento de R$ 5,8 bilhões para a construção das usinas termelétricas Azulão I e II, que, em conjunto, terão 950 MW de capacidade instalada.
Além disso, tem uma mão de obra de 2.600 trabalhadores. Fora os investimentos em projetos ambientais e de educação profissionalizante.
No entanto, MPF e Funai, com ajuda de organizações não governamentais (ong), estão dispostos a impedir o prosseguimento desse ambiente econômico instalado no interior do Amazonas.
Após fracassar a tese de que o empreendimento estava dentro de unidades de conservação, o que foi contestado na Justiça, agora, o novo argumento é que há presença de indígenas isolados na área. Mas, a Funai não comprovou até agora a existência dessa população.
Relato
Entre os meses de setembro e outubro de 2023, a coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema, foi informada por indígenas do baixo rio Jatapu (Enoque Awkonio e Benaias Waryeta) que um funcionário da Comissão Pastoral da Terra (CPT) -José Jorge Amazonas Barros – havia lhes dito ter encontrado uma família (fragmento) de povo indígena isolado, na região do médio curso de um afluente do rio Uatumã durante uma atividade de geoprocessamento.
Em dezembro de 2023, a Funai ouviu o integrante da CPT e colheu detalhes da localização do evento, características dos indígenas avistados, contexto do avistamento, dentre outras informações. Também foi apresentada uma foto que seria de um indígena isolado.
Apesar do conhecimento da situação, desde setembro de 2023, a coordenação da Frente Etnoambiental Cuminapanema/Funai não havia ainda sido oficiada sobre a situação pela CPT.
O caso foi formalizado apenas em 2024 a partir do relatório intitulado “Relatório Contato com indígenas isolados no município de Itapiranga / Amazonas”.
Sem registro
No entanto, documento enviado ao procurador da República Fernando Merloto Soave, a Funai afirma que no banco de dados da coordenação-geral de indígenas isolados e de recente contato “não há presença de registro de povo indígena isolado na região de
Silves e Itapiranga no Amazonas”.
Por outro lado, o registro mais próximo é a “Referência em Estudo de Povo Indígena Isolado nº 121 – Médio Jatapu e afluentes”, localizada a mais de 120 quilômetros em linha reta do local onde
Jorge da CPT afirmou ter avistado o grupo isolado.
“Ou seja, o relato sobre presença de grupo em isolamento em Itapiranga é inédito, não havendo quaisquer registros históricos ou documentais consolidados que indiquem a presença de um povo isolado na região”, afirma a diretora de proteção territorial da Funai, Maria Janete Albuquerque de Carvalho, em documento (OFÍCIO Nº 765/2024/DPT/FUNAI), encaminhado ao procurador da República, Fernando Merloto Soave, em 19 de junho de 2024.
Prerrogativa
De acordo com as diretrizes da Política para Povos Indígenas Isolados, apenas a Funai, enquanto órgão indigenista do estado brasileiro, tem a prerrogativa de confirmar oficialmente a presença
de povos isolados no Brasil.
Isso significa dizer que o órgão de proteção indígena, não poderia confirmar oficialmente a presença de indígenas isolados na região de Silves e Itapiranga, baseando-se pura e simplesmente nos relatos de Jorge da CPT.
Expedição
Por este motivo, a Funai resolveu fazer uma expedição de localização para dar início aos estudos a fim de confirmar ou não a presença de indígenas isolados na área. A atividade ocorreu entre 16 de março e 4 de abril de 2024.
A equipe expedicionária contou com um servidor da Funai (Guilherme Daltro Siviero), quatro colaboradores indígenas do rio Jatapu (Enoque, Maurício, Haroldo e Euller), um antropólogo (Victor Alcântara e Silva), um membro da ong 350.org e Jorge da CPT, este que teria avistado e tirado a foto do indígena isolado.
Artefato indígena
Como resultado da expedição, a Funai informou ao MPF que a equipe localizou um artefato atribuído aos indígenas isolados. Mas, não comprovou a existência dos povos em isolamento
“Ainda que não tenha sido possível confirmar de maneira inequívoca a presença de população indígena isolada na área, a possibilidade de confirmação é alta. Deste modo, são necessárias novas expedições de localização para qualificar a presença deste povo isolado na região, cabendo à Funai a premissa e obrigação de dar continuidade ao trabalho de qualificação e localização”, informa Janete de Carvalho ao procurador Fernando Merloto.
Alta probabilidade
Mesmo admitindo que não avistou indígenas isolados, na expedição, a Funai diz que os “relatos consistentes, a fotografia coletada pelos integrantes da CPT”, assim como as entrevistas com os comunitários da reserva de desenvolvimento sustentável (RDS) Uatumã, apontam para a presença de isolados, fator reiterado pela localização de um artefato atribuído a indígenas em isolamento.
“Diante dos fatos e evidências qualificados in loco nas atividades de qualificação e expedição de localização, acreditamos ser alta a probabilidade de presença de Povo Indígena Isolado na
região do igarapé Caribi e afluentes”, reitera a diretora da Funai.
Foto periciada
A imagem do suposto avistamento de índios isolados na região dos municípios de Silves e Itapiranga, publicada por dois sites de notícias, um nacional e outro local, que a Funai considera como sua principal evidência, assim como o artefato indígena, passou por perícia técnica para constatar a veracidade da imagem.
A análise foi realizada pelo perito Allan Almeida Reis, especialista em perícias criminais e ciências forenses. Além disso, ele é perito judicial do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), desde 2012, do Tribunal Regional Federal, da 1ª Região (TRF-1), e presidente nacional da Comissão de Perícias forenses da OAB.
“O parecer técnico em questão é de natureza indireta, envolvendo uma imagem estática, e tem a finalidade de verificar sua autenticidade e investigar a existência de possíveis alterações fraudulentas, como montagens, manipulações ou supressões”, afirma o laudo preliminarmente.
Ainda, de acordo com o laudo pericial, o exame foi conduzido com a finalidade de investigar a imagem (fotografias) em questão, elementos que possam indicar alterações que, de alguma forma, alterem o conteúdo da imagem registrada, resultando em uma representação dos eventos diversa daquela originalmente obtida.
Indícios de manipulação
Em outras palavras, trata-se de indícios de adulteração (exame destinado a determinar se os registros de imagens passaram por alguma modificação).
“Sem desconsiderar qualquer avaliação adicional, que possa ser pertinente ao caso em questão, é possível afirmar que a imagem analisada não se mostra autêntica, apresentando indícios de manipulações que sugerem possíveis adulterações tais como: montagens, adições e supressões”.
E conclui o perito:
“É importante ressaltar, contudo, que esta conclusão é preliminar e depende da apresentação dos arquivos originais para que uma investigação mais aprofundada possa ser realizada”, diz, em seu laudo técnico, o presidente nacional da Comissão de Perícias Forenses da OAB, Allan Almeida Reis.
Avaliação independente
Segundo juristas especializados em questões ambientais, ouvidos pelo BNC, para uma avaliação independente e alinhada com o que dispõe o Decreto Federal nº 1.775/1996, os trabalhos de identificação e delimitação de terras indígenas devem ser desenvolvidos por grupo técnico especializado, “composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional” da Funai, e coordenado por “antropólogo de qualificação reconhecida”.
Ou seja, os trabalhos de identificação de eventuais indígenas isolados devem ser conduzidos de forma técnica e livre de vieses ideológicos ou políticos, assegurando a participação de todos os atores interessados, de forma a garantir transparência e imparcialidade”, dizem os juristas.
Funai não responde
O BNC Amazonas questionou a Funai se foi feita a perícia na fotografia do indígena isolado, apresentada pela CPT. Assim como
do artefato atribuído ao povo indígena isolado, encontrado na primeira expedição realizada em março/abril de 2024.
Quis saber também sobre quando o órgão federal vai realizar a nova expedição de localização de povos indígenas isolados em Silves e Itapiranga no Amazonas.
E, se nessa nova expedição, a Funai vai convidar a participar outras entidades e representantes dos empreendimentos de exploração de gás e petróleo. Ou a expedição ficará restrita às mesmas organizações governamentais (CPT e 350.org), que participaram da primeira incursão.
Por fim, o BNC quis saber quando a Funai vai editar/publicar a Portaria de Restrição de Uso na área de exploração de gás. Mesmo que não tenha “confirmação inequívoca” da presença de indígenas isolados em Silves e Itapiranga, no Amazonas, e sem ter realizado nova expedição de localização.
Até o fechamento e publicação desta matéria, a Funai não respondeu aos questionamentos. Mas, assim que se pronuncie, suas manifestações serão incluídas na matéria.
FONTE: BNC